segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

"Luck": WIRETREE!

O homem é um ser de reminiscências. E uma canção pode ter o dom de acioná-las instantaneamente. Seja o prazer solitário de sentir a brisa fresca acariciar o rosto num fim de tarde nas melhores férias da sua vida ou a dor aguda e profunda quando sua maior paixão se vai sem nem olhar para trás. Mas o homem também é um ser de desejos. E uma canção pode torná-los reais, pelo menos enquanto soar. Sentidos que são tocados pela mágica inexplicável da montagem de notas, acordes, melodias e harmonias, da canção pop perfeita.

E é essa montagem que Kevin Peroni e seu Wiretree fazem com extrema destreza e sensibilidade, tornando Luck – segundo disco cheio do quarteto de Austin, Texas - um dos álbuns mais bonitos do ano. Aqui Peroni conseguiu refinar arranjos, evoluir melodicamente, aprofundar as ambiências emocionais e, ao mesmo tempo, tornar a sonoridade do Wiretree mais acessível. Mesmo considerando-se alguns ecos sessentistas no som da banda, Luck é um disco talhado para a modernidade. Não para os bailes de máscaras e aparências das pistas de dança, mas para o nosso interior despido e autêntico.

Não interessa quem você tem de ser ou representar lá fora. Luck apenas te traz de volta a seus pensamentos de ingênua pureza, sonhos inalcançáveis, ou mesmo as lembranças mais secretas. Assim “Across My Mind” vai chegando com seu violão macio, na sua batida de piano inspiradora e voz doce e confessional de Peroni – algo no clima do mestre Elliott Smith. Vibrafones soam como se viessem da canção de ninar mais adorável e pontuam a melodia celestial da emotiva e belíssima “Back In Town” – e pronto, seus desejos e reminiscências foram imediatamente acionados!

Batida marcial com leve riff rock’n’roll e o vocal angelical de Peroni fazem viajar em “Rail”. “Days Gone By” mescla clima onírico com atmosfera pop com tamanha maestria que me faz perguntar: aonde canções do Coldplay chegaram que esta não poderia chegar? Já a balada “Falling” é de beleza triste e cortante, e pode emocionar tanto quanto “Fake Plastic Trees” do Radiohead. “Information” vem com batida e melodia envolventes, enquanto “Satellite Song” poderia estar tranqüilamente no disco novo de Brendan Benson e ser celebrada mundo a fora.

A bela canção-título soa como clássico pop atemporal e a reflexiva e climática “Heart Of Hearts” encerra o álbum.
Luck é uma coleção de jóias pop de rara beleza, um painel revelando um artista inspirado, uma pílula recheada de boas sensações. Luck nos faz rir e chorar quando ninguém está olhando, quando queremos escutar somente a nós mesmos.

http://www.wiretreemusic.com/
http://www.myspace.com/wiretree

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

IPO VOLUME 12!

Acreditar na força da canção pop. Esse tem sido o trabalho de David Bash por mais de doze anos à frente do International Pop Overthrow. Que além de festival – contando com dezenas de shows em três países (EUA, Canadá e Inglaterra) e centenas de bandas todo ano – traz seu nome na coletânea mais representativa do pop underground mundial. Bandas novas e veteranas dividem espaço no CD triplo que sempre privilegia grupos de power pop. Este IPO 12 nos oferece 70 canções de 70 bandas diferentes de todo o planeta, um verdadeiro orgasmo múltiplo e em seqüência durante quase quatro horas de orgia pop.

“Miss I Don’t Understand You”, dos californianos do The Syrups, abre o CD1: não à toa talvez a mais empolgante canção power pop de 2009. O casal de Minneapolis Adam e Kristin Marshall e seu Humbugs vêm com a deliciosa e ganchuda “One More Day”. Os americanos do The Help Desk trazem pianos, mellotron, guitarras acústicas e a harmonizações vocais intricadas na justa homenagem “The Jellyfish Song”. O sueco Luke Jackson contribui com o apelo pop e emocional de “Come Tomorrow” e Bobby Cox e seu The Galaxies entregam a ultra-adesiva “Baby I Believe”.

O Vancouver Nights – que tem Todd Fancey, do Fancey, nas guitarras e sintetizadores – passeia pelo dream pop de batida eletrônica com “Autumn Witch”, enquanto o The Smile Eyes volta ao pop sessentista com “His Vision Of Her”. O Velvet Cadillacs injeta energia rocker com “Gotta Lotta Love To Give” e o novaiorquino Jeff Litman encerra o disco com a envolvente “Anna”, tirada de seu ótimo álbum de estreia.
Os japoneses do Mayflowers abrem o CD 2 com o power pop perfeito “Rubber Sole” para em seguida o australiano Michael Carpenter mostrar seu artesanato pop em “Can’t Go Back”.

Lisa Mychols entrega uma canção do seu próximo disco com a adorável “Hearts Beat In Stereo”, enquanto o power trio de Portland The Leftovers arrasa com a faiscante “Telephone Operator”, tirada da obra-prima punk-power-pop Eager To Please. Os espanhóis do Goodfellows apresentam a pérola pop de acento beatle “Behind Your Smile” e os americanos do 1.4.5. destilam seu punk rock primário com “Can’t Stop Movin’”. Da Grã-Bretanha os The Peppermint Apes trazem a cativante “No One Like Me” enquanto os Shamus Twins mostram seu divertido country pop “See About Me”.

O pop acústico e radifônico “You And I Can Take On The World” é a colaboração do The Dirty Royals e a macia “Blue”, com suas harmonias vocais angelicais e refrão memorável, é cortesia do The Strawberry Jam. De Roma o Soundserif traz seu pop orquestral à la Brian Wilson “Happy Since I Resigned”.
Abrindo o CD 3 reaparece o veterano KC Bowman, em dueto com Andrea Perry, na belíssima “Sorting Out The Rules”. E o garoto prodígio Evan Hillhouse também volta apresentando uma canção de seu segundo álbum Transition, a intensa “Save Yourself”.

A canadense Laurie Biagini comparece com seu surf rock sessentista “Another Old Crazy Lyin’ On The Beach Afternoon” e os suecos do Private Jets revelam a versão estendida da sensacional “Speak Up Speak Out”. Susan Hedges traz o bonito jingle-jangle de “City Song” e Stephen Lawrenson oferece “Ordinary”, outtake de seu álbum de 2009 Somewhere Else. A guitarra suja se contrapõe à melodia bubblegum do refrão em “Where There’s A Will There’s Way” canção do mestre Jeremy. A Rickenbaker brilha em “Rock ‘n Roll Girl”, canção do esperado próximo álbum dos suecos do The Tangerines.

Steve Sizemore Group impressiona com a canção, na melhor escola Jellysfish, “Beautiful Dust” enquanto o Romeo Flynns ataca com o rock’n’roll invocado “Gonna Feel Alright”. Blake Jones & The Trike Shop apresenta a estranha instrumental espacial-fantasmagórica, assombrada por teremins e vibrafones, “Astronauts In Trouble”. O quarteto power pop de New Jersey Meyerman presenteia com sua jóia “Judy’s Out Of Fashion” e os noruegueses do Peter & The Penguins fecham o CD 3 com o que poderia ser um clássico sessentista mas é de 2009: “The Walk”.

Em plena era digital, quando um CD vale menos que uma balinha, ver o lançamento de um CD triplo se repetindo, ano o após ano, só reforça a certeza que certas coisas só podem ser movidas pela paixão. Longa vida ao IPO, festival e coletânea. Porque eu também acredito na força de uma canção pop.

http://www.internationalpopoverthrow/
www.myspace.com/internationalpopoverthrow

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

"Eager To Please": THE LEFTOVERS!

Quantos anos de vida nos tomam as ansiedades da vida pós-moderna ou as pressões cotidianas do mundo de competições vorazes? O quanto a crueldade humana nos envenena dia após dia, disposta a nos tirar as esperanças do coração? O quanto precisamos lutar para nos manter de pé, mesmo quando açoitados pelo chicote inclemente do destino? Não há respostas exatas para estas perguntas, mas existem meios de amenizar seus efeitos. E alguns deles você vai encontrar nesse elixir do bem-estar e diversão chamado Eager To Please.

Quarto álbum do power trio de Portland – Kurt Baker, Andrew Rice, Adam Woronoff – que chega para repor os anos que o estresse te tirou, desenvenenar seu coração e curar as feridas dos açoites da vida. Vitaminados pela energia do punk rock e adoçados pelas melodias do power pop, os Leftovers animam o ambiente em canções ultra-energéticas, inspiradas e inspiradoras. Em Eager To Please os rapazes de Portland soam como um Elvis Costello – fase setentista – tocando composições dos Ramones. Ou um Queers experimentando Joe Jackson.

Beatles e Beach Boys também ecoam por todo o álbum, mas aqui os americanos tratam de dar um choque de modernidade nas sonoridades vindas dos anos 60 e 70. Distorção sem parcimônia, guitarras afiadas e bateria nervosa. Canções revigorantes de espírito jovem e feitas para lavar a alma, pelo menos durante seus quase 37 minutos de duração.
E a primeira saraivada de energia vital vem com “Can’t Stop” seguida pela batida envolvente de “Telephone Operator”, que traz o líder do Second Saturday, Wyatt Funderburk, na co-autoria da faixa.

A essa altura você já abriu espaço entre os móveis da sala para dançar, pular, celebrar a vida inundada agora pelas boas vibrações de uma verdadeira canção pop. E a festa continua na junvenil “Girlfriend”, onde Kurt Baker diz que não é feito para ter namorada – “porque é muito difícil manter meus olhos longe das outras garotas”. Melodia adesiva e refrão harmônico para a perfeição pop de “Get To Know You” (que conta com a participação de Kim Shattuck dos Muffs nos vocais). Aqui já está clara a contribuição do produtor Linus of Hollywood na sonoridade conseguida pelo Leftovers, já que o americano é mestre artesão em canções pop de sabor sessentista.

“Think About Her” ventila um ar clássico e entrega refrão memorável para o deleite dos power poppers ao redor do mundo. “I Want You Back” capricha no riff ganchudo e acordes viciantes, enquanto “Untouchable” vem reforçada pela guitarra de Coz Canler dos fundamentais Romantics. A cativante “Lost And Found” soa como se fosse Mr. Costello cantando um dos punk pops mais grudentos do ano e “Get Out Of My Head” realmente não vai sair da sua cabeça, nem adiantar tentar evitar.

Mais dois clássicos instantâneos se materializam com as incríveis “The Only One” e “Dance With Me” e a beleza melódica de “Make You Mine”, contagia os sentidos de imediato. E, representando o espírito de Eager To Please, nada melhor que encerrar o disco com a flamejante “Party Til We Die” dos Rubinoos, com as participações de Jon Rubin, do próprio Rubinoos, Kim Shattuck e Brett Anderson das The Donnas. Uma celebração depois da coleção de petardos pop, que estão aqui posicionados como artilharia contra as agruras e os desencontros da vida.

www.theleftoversband.com
www.myspace.com/theleftovers

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

"The Kavanaghs": THE KAVANAGHS!

Ali vão os quatro rapazes. Levando suas guitarras em cases pelas ruas frias de Liverpool. Quebram a esquina de Penny Lane assobiando Help! Param em frente ao portão vermelho de Strawberry Field para observar suas folhas secas voarem até o rio Mersey. Levadas pelas melodias dos fab four que ainda ecoam pelo ar da cidade. Tiago, Alejandro, Diego e Sebastian caminham para o sonho remodelado em realidade. Nove noites no The Cavern Club. Nove shows no palco sagrado: a vez dos Kavanaghs darem seu sopro revigorante na alma de um legado imortal.

Tiago Galindez, Alejandro Pin, Diego Vásquez e Sebastian Cairo viajaram milhares de quilômetros, de Rosário, Argentina até Liverpool. Como uma procissão à terra prometida para reverenciar seus mestres, seus guias, cujas obras se fizeram quando eles nem eram nascidos. E que a influência aparece cristalina na própria obra dos argentinos, em seu disco de estreia homônimo. The Kavanaghs, o álbum, parte da referência fundamental, os Beatles, pare encontrar, destacadamente, Raspberries e Badfinger e, Kinks ou Zombies, nas entrelinhas.

Cantando em inglês, para buscar um tom universal, os quatro de Rosário não se acanham ao querer revisitar sonoridades passadas. Canções bem talhadas têm vocação para a atemporalidade e isso eles sabem bem. “The Wrong Side Of The Way” abre o disco marcando a levada no baixo e bateria para depois chamar a guitarra para a festa e eletrificar o ambiente. Batida envolvente de piano e melodia adesiva para “Friday On My Mind” até a balada orquestral – com uma pequena e criativa incursão de um acordeon de tango – “English Town, English People”.

“You Know” vem bela e macia, desaguando no refrão emocional, feito para capturar corações sensíveis ou não. “The Simple Things” cativa na melodia pop, nas harmonizações vocais perfeitas e no incrível refrão que homenageia “I Wanna Be With You” dos Raspberries. Aliás, Eric Carmen e Jim Bonfanti, ex-membros do lendário grupo, elogiaram os Kavanaghs:“É um prazer ouvir suas canções!”. “It Seems That I’m Not Getting Things Quite Right” traz jogos de metais, piano, acordeons e flautas para adornar e reforçar o imenso poder pop da canção e sua sensacional melodia, transformando-a em clássico do power pop moderno.

“Cat In Town” dá pegada rocker ao pop sessetentista, na melhor escola beatle de canções invocadas, pero no mucho. “Goodbye Chris” fecha o álbum com ar de canção de baile romântico cinquentista/sessentista, para dançar de rosto colado, seja em Liverpool, Rosário ou no escurinho reservado do seu quarto.

http://www.thekavanaghs.com.ar/
www.myspace.com/thekavanaghs

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Power Pop: The Early Years - NAZZ! (Parte II)

Por Daniel Arêas

Após os modestos resultados comerciais do seu álbum homônimo de estréia, o Nazz iniciou as gravações do segundo disco, que a princípio seria duplo, auto-produzido e se chamaria Fungo Bat. Tensões começaram a surgir na banda naquele período. Thom Mooney e Stewkey vetaram parte do material composto, gravado e cantado por Todd Rundgren, que demonstrava uma forte influência da cantora e compositora norte-americana Laura Nyro, distante do garage rock psicodélico que predominava no álbum anterior. Com parte de seu trabalho sendo por fim excluído do disco, Rundgren decidiu então deixar a banda; Van Osten já tinha saído pouco antes. O disco acabou sendo lançado em abril de 1969 como álbum simples e chamado de Nazz Nazz.

Apesar de não ter sido lançado como originalmente foi concebido, Nazz Nazz é o melhor disco da curta carreira da banda e supera o anterior em virtualmente todos os quesitos, da produção às composições (todas assinadas por Todd Rundgren). De cara, as três primeiras canções (“Forget All About It”, “Not Wrong Long” e “Rain Rider”) soam como um aperfeiçoamento da estética que o Nazz perseguia no álbum anterior: são inequivocamente pop, catchy, mas tocadas com energia, urgência. The Who é uma referência que permeia boa parte do álbum, mas ela é mais evidente do que nunca na excepcional “Under The Ice”. A devoção de Rundgren aos Beatles se evidencia nas belas baladas “Gonna Cry Today” e “Letters Don’t Count”, assim como na ótima “Hang On Paul”. Fecha o disco a magnífica “A Beautiful Song”, um épico com quase doze minutos de duração que reunia todas as facetas e influências da banda.

O material que ficou de fora de Nazz Nazz seria lançado em 1970 – com Stewkey pondo sua voz em quase todas as canções cantadas por Todd Rundgren que haviam sido deixadas de lado – sob o título de Nazz III, quando a banda já tinha acabado. Se é verdade que Nazz III não tinha a força dos discos anteriores (embora estivesse longe de ser ruim), fica claro que o disco deve ser analisado em conjunto com Nazz Nazz, como partes de um único projeto – como era a idéia inicial. Há vários bons momentos no disco, mas quase todos eles apontam para o soft rock que Todd Rundgren iria explorar nos primeiros discos de sua carreira solo. E ironicamente, a única faixa em que o lead vocal de Rundgren foi mantido é exatamente a melhor canção do disco: “You Are My Window”, uma comovente balada piano e voz, adornada com orquestrações.

Por que uma banda, aparentemente tão promissora, durou apenas dois anos? Bem, existem algumas possíveis explicações para isso. Uma delas é a de que seu mais talentoso membro tinha ambições artísticas que extrapolavam os limites musicais da banda. Mas o legado do Nazz não é diminuído por sua curta existência. Ouvir seus discos ajuda a compreender o que aconteceu a partir da década de 70, quando inúmeras bandas buscaram inspiração na British Invasion e reinterpretaram os sons daquela época. Quem quiser comprovar isso basta ouvir Big Star, Badfinger, Raspberries, Cheap Trick e tantas outras.